quarta-feira, 11 de março de 2009

O dia em que a Igreja Católica violentou a inteligência

Bento XVI que me perdoe o título paloso e o trocadilho inevitável, mas diante dos últimos acontecimentos, esse texto não poderia ter pontífices na língua.

O bispo católico excomungou o médico e, praticamente, benzeu o estuprador! Tudo bem, até aqui novidade nenhuma. Violentar criancinhas não é pecado para certos sacerdotes. Só não pode usar camisinha.

Usar camisinha é um pecado perigoso. Quase uma heresia. A Igreja prega que essa bendita borracha, criada para salvar vidas, é uma lâmina afiada que a ciência criou para decapitar as providências divinas.

Pro sujeito não pegar AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis, tem que ter é muita fé. Pagar o dízimo direitinho, freqüentar a missa, se confessar sempre e assim por diante. Mas, se estiver escrito irmão, não tem jeito! Como diria o Cazuza serás uma cobaia de Deus.

No final das contas, o médico pernambucano que, apenas exerceu dignamente o seu ofício, salvando a vida de uma criança de 9 anos - covardemente estuprada pelo padrasto, sem camisinha-, acabou tendo foi sorte. No tempo da Santa Inquisição estaria literalmente frito.

A gente se assusta com depoimentos como o do Bispo, mas a verdade é que sempre foi assim. A Lei de DEUS, que também foi escrita pelos homens, excomunga, há séculos, a ciência.

O táctil, o palpável, o provável, sempre ameaçou os domínios do lúdico. Os seguidores da ciência sempre foram ameaça ao reinado da fé católica. Eu mesmo, até começar a tirar minhas próprias conclusões das coisas, fui uma vítima desta condenação.

E juro aqui de pés juntos (mesmo sabendo que jurar também pode ser um pecado): sempre procurei respeitar o divino. Claro, mais por temor a Deus que por fé.

Eu temia, por exemplo, que, num deslize infantil, no jejum das sete e pouca de uma linda manhã ensolarada, mastigasse, sem querer, o corpo de Cristo ali, em plena missa matinal de domingo. Seria uma tragédia.

Já pensou? “A hóstia é sagrada, crianças”. Pelo menos, foi o que a “pró” de religião sempre disse. “A hóstia tem que dissolver na ponta da língua e, enquanto ela dissolve, em silêncio, você pede perdão pelos seus pecados, não pode mastigar, hein!”.

Minha mãe ainda guarda aquela foto minha ridícula, clichê, com a vela na mão e a cara de santo. Quem fez primeira comunhão tem. E deve ter também lá dentro da lembrança a primeira confissão. Eu lembro bem da minha.

Por ironia do destino, o padre só conseguia me enxergar pela obra e graça da ciência, com seus óculos tipo fundo de garrafa, armação pesada, quase marfim, mas amarronzada.

Olhos miúdos e pontiagudos, quase inquisitórios, apertando-se para me enxergar dentro da alma. Eu, uma pobre criança de apenas 9 anos de idade ali, sufocado entre a minha ignorância e o olhar sentencioso de um padre, armado até os dentes com terços e pai nossos.

O que dizer? O que contar àquela criatura sombria, sisuda, assexuada, vestido para matar minha liberdade de pensar? Eu disse pouco, claro, economizei pecados para a próxima confissão que, graças a DEUS, nunca mais aconteceu.

Até poder dimensionar o significado da palavra pecado em minha cabeça, sofri o pão que a Igreja amassou. Carreguei durante anos a culpa católica na cabeça. Uma violência contra qualquer criança que está descobrindo o mundo.

Ai, um belo dia, resolvi mastigar a bendita hóstia. Só pra saber, mesmo. No início tive medo. O que será que Deus reservava para mim? Qual seria o meu castigo diante daquele absurdo? Será que ele tinha percebido que eu mastigara a hóstia sagrada?

Pelo jeito não. Depois daquele fatídico dia, comecei a crescer sem freqüentar a missa, os dogmas e as mentiras católicas. Quando mastiguei aquela hóstia, ganhei minha liberdade de pensar, comer, beber, cheirar, sentir e viver as maravilhas do mundo, que os católicos afirmam ser obra de Deus.

Eu acredito em Deus, mas do meu jeito. E sei também que a minha dúvida infantil ainda é a dúvida de muitas crianças que cresceram se arrependendo dos seus pecados e carregando culpas pesadas.

As crianças que não mastigaram a hóstia, provavelmente, estão hoje entre os milhões de brasileiros indignados com a violência cometida por um padre em rede nacional.

Quando o padre excomungou o médico, acabou confessando, em público, o maior pecado da Igreja: o menosprezo pela inteligência humana.

4 comentários:

  1. Grande.

    Gostei pra caralho do texto.
    Eu comungo justamente dessa opinião, e vou adiante. A uma igreja que prega a excomunhão de crianças estupradas, de médicos que buscam assegurar a saúde mental, física e, porque não, social de uma menina de 9 anos de idade, eu me ajoelho. Me ajoelho e peço que me excomunguem junto com ela, pois fazer parte disso tudo, ainda que passivamente é subversivo demais para a minha concepção. E outra, não falo aqui da minha concepção do divino, e sim da minha concepção do humano.

    Não poderia findar esse comentário sem brindá-lo com um cordel que me foi enviado. Cordelista paraibano, radicado em Brasilia. Gênio.

    Lá vai:

    Cordel dos Excomungados



    Peço à musa do improviso

    Que me dê inspiração,

    Ciência e sabedoria,

    Inteligência e razão,

    Peço que Deus que me proteja

    Para falar de uma igreja

    Que comete aberração.



    II

    Pelas fogueiras que arderam

    No tempo da Inquisição,

    Pelas mulheres queimadas

    Sem apelo ou compaixão,

    Pensava que o Vaticano

    Tinha mudado de plano,

    Abolido a excomunhão.



    III

    Mas o bispo Dom José,

    Um homem conservador,

    Tratou com impiedade

    A vítima de um estuprador,

    Massacrada e abusada,

    Sofrida e violentada,

    Sem futuro e sem amor.



    IV

    Depois que houve o estupro,

    A menina engravidou.

    Ela só tem nove anos,

    A Justiça autorizou

    Que a criança abortasse

    Antes que a vida brotasse

    Um fruto do desamor.



    V

    O aborto, já previsto

    Na nossa legislação,

    Teve o apoio declarado

    Do ministro Temporão,

    Que é médico bom e zeloso,

    E mostrou ser corajoso

    Ao enfrentar a questão.



    VI

    Além de excomungar

    O ministro Temporão,

    Dom José excomungou

    Da menina, sem razão,

    A mãe, a vó e a tia

    E se brincar puniria

    Até a quarta geração.



    VII

    É esquisito que a igreja,

    Que tanto prega o perdão,

    Resolva excomungar médicos

    Que cumpriram sua missão

    E num beco sem saída

    Livraram uma pobre vida

    Do fel da desilusão.



    VIII

    Mas o mundo está virado

    E cheio de desatinos:

    Missa virou presepada,

    Tem dança até do pepino,

    Padre que usa bermuda,

    Deixando mulher buchuda

    E bolindo com os meninos.



    IX

    Milhões morrendo de Aids:

    É grande a devastação,

    Mas a igreja acha bom

    Furunfar sem proteção

    E o padre prega na missa

    Que camisinha na lingüiça

    É uma coisa do Cão.



    X

    E esta quem me contou

    Foi Lima do Camarão:

    Dom José excomungou

    A equipe de plantão,

    A família da menina

    E o ministro Temporão,

    Mas para o estuprador,

    Que por certo perdoou,

    O arcebispo reservou

    A vaga de sacristão.





    Autor: Miguezim de Princesa - Poeta popular

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  2. Deus me livre ter fé numa igreja dessas. Tô com você, meu caro. Igrejazinha de meia tigela essa, hein. É fulano dizendo que o holocausto não existiu. É sicrano contra as células tronco. E nem me diga que essas idéias são de boa intenção. De boa intenção, o inferno tá cheio. E com um detalhe: lá você tem direito a uma dose, pelo menos.

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  3. (removida e recolocada corrigida aqui - tinha muitos erros de digitação...)
    É difícil, para mim, que cresci sem esse furor católico, compreender o medo que se possa ter de mastigar uma hóstia. Fiz primeira comunhão porque quis, nunca me confessei. Acabei virando espírita, fiz e, por vezes,ainda faço palestras sobre os supostos mortos - muito mais vivos que nós. Morto mesmo está esse Deus, distante e pecador, que uma Igreja desta prega. É vexatório. Seria, a mim também, uma honra ser excomugado por um culto desse nível. Mais do que hipocrisia, neste fato, a igreja expõe crueldade. E não da que conhecemos nas torturas da inquisição,mas uma crueldade mental, intelectualmente burra demais. Quase impossível de tão improvável. Que um sacerdote superior, estudado, tenha feito isso num mundo de mídia altamente expositiva é surpreendente, mas tem sua serventia. Mostra o patético de uma religião que, infelizmente, se destrói sozinha. Nega, a um só tempo, ciência e bom senso.
    Qual será a próxima ?
    Bom texto, bom raciocínio e informação nova também...(nunca tinha ouvido falar da culpa por mastigar hóstia).
    Abraços,
    Gabriel

    PS - e para o meu irmão Ângelo, maravilhoso cordel. Deu um molho especial ao post.

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